Raquel Morais
No Rio, 174. Em Niterói, 409. Apesar das circunstâncias, os desfechos foram diferentes. Nesta terça-feira (21) Niterói teve sua manhã marcada por um crime que também parou a capital em 2000. Cerca de 30 pessoas foram feitas reféns por um criminoso no ônibus 409, que faz a linha Alcântara-Niterói, via Trindade, na Avenida do Contorno. Diferente do coletivo no Rio, no qual a vítima e o assaltante morreram no Jardim Botânico, em Niterói ninguém ficou ferido, mas a cidade perdeu o seu sorrisso por algumas horas.
Por volta das 8h30min, o gonçalense John Lennon Silva Barbosa, de 25 anos, morador do Morro da Coruja, no Vila Lage, entrou no coletivo (placa LQE-5936, da viação ABC), pagou a passagem, sentou no banco para pessoas com deficiência e, na altura da loja Leroy Merlin, na BR-101, anunciou o assalto. Segundo testemunhas, ele passou por todas os passageiros recolhendo pertences como celulares, carteiras, relógios e joias. Ele só não contava com uma série de sinais transmitidos pelos passageiros e motoristas para os policiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que ajudavam no trânsito na BR-101.
O motorista Ailton Tavares afirmou ter piscado com o farol repetidas vezes para chamar atenção de quem passava pela rodovia. Segundo ele, a atitude aconteceu por instinto. O importante é que está todo mundo bem. Tenho consciência que fiz o melhor e o melhor foi acenar para a polícia, comentou o profissional, que há seis anos atua na área.
Um passageiro conseguiu colocar o braço para fora da janela e fez sinais de arma com dois dedos. O subcomandante do 12° BPM (Niterói), tenente-coronel Fabio Marçal, também afirmou que um dos passageiros conseguiu ligar para o 190. Após a ligação, a Polícia Militar fez o cerco e teve início as negociações. Tentamos sempre preservar a vida das pessoas e geralmente as negociações acontecem passo a passo. A gente cede alguma coisa e ele cede também, no caso liberando os passageiros, explicou.
José Hélio, agente da PRF, informou que a ação foi rápida e em conjunto com a Polícia Militar. Estávamos com algumas viaturas no trecho para proibir o trânsito no acostamento. Os policiais fizeram a abordagem do coletivo e acionamos a Polícia Militar, onde começaram as negociações em conjunto, explicou.
As negociações duraram cerca de uma hora e meia e o assaltante pediu a presença dos seus familiares, na tentativa de se resguardar. Sua esposa e dois filhos menores estiveram no local do crime. A mulher chegou a subir em uma cadeira e conversou com o marido. Segundo o auxiliar administrativo Thiego Freire, de 30 anos, o assaltante parecia nervoso e o clima de pânico tomou conta dos passageiros. Graças a Deus ele foi acalmado. Ele queria o tempo todo subir a Ponte e ninguém sabia se ele estava drogado e se a arma era de verdade ou não. Ele falava o tempo todo para o motorista passar por cima do cerco policial e seguir para o Rio de Janeiro. Foi uma sensação de impotência total, desabafou após ser liberado.
Uma outra passageira que não quis se identificar confirmou que o assaltante gritava querer ir para o elevado, de onde se jogaria no mar. No entanto, o coletivo foi interceptado antes do acesso à ponte. Quando o veículo foi parado, John Lennon segurou uma mulher e ficou deitado no chão com ela, apontando uma pistola para sua cabeça. Ele ameaçava, gritava e dizia que ele ia morrer, mas ia matar ela junto. Foi muito horrível e estou em estado de choque. Nunca pensei que eu fosse passar por momentos tão ruins na minha vida, desabafou outra passageira.
Segundo informações da 76ª DP (Centro), a arma utilizada na ação era uma réplica de pistola. O ônibus e os passageiros foram levados para a delegacia, mas algumas pessoas não conseguiram entrar no mesmo coletivo. Eu não vou entrar nesse ônibus e reviver tudo que eu passei, se desesperou uma passageira. Na distrital os civis tiveram acesso à ficha criminal do jovem, que não é pequena. Ele tem três acusações, sendo duas por roubo e uma por receptação. Estava em liberdade condicional desde 11 de maio de 2015 por um assalto, também a um ônibus em Marambaia, limite entre Itaboraí e São Gonçalo. Na ocasião ele foi autuado na 71ª DP (Itaboraí) e condenado a quatro anos e seis meses de prisão.
O delegado Gláucio Paz, da 76ª DP, explicou que em uma conversa rápida com o assaltante ele afirmou que estaria em dificuldade financeira. Ele teve que se entregar, já que em determinado momento a polícia ia perceber que a arma era de brinquedo e ia invadir o ônibus. Ele deve responder pelo crime de roubo qualificado e também vamos ver se qualifica sequestro, mas somente depois de ouvir todos os envolvidos, finalizou.
Além da PRF e PM participaram da ação Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Grupo Anti Sequestro e militares do Corpo de Bombeiros, além de funcionários da Autopista Fluminense e da concessionária Ecoponte.
ALERTA CONSTANTE
O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Passageiros de Niterói a Arraial do Cabo (Sintronac) informou em nota que tem alertado as autoridades sobre a insegurança dentro dos ônibus que circulam na Região Metropolitana. Atualmente, só no âmbito de atuação do Sintronac, seis mil motoristas e cobradores estão afastados de suas funções por problemas psicológicos e psiquiátricos causados pela violência urbana e pelo estresse cotidiano do trânsito. Ainda de acordo com o informe, os coletivos que circulam na Avenida do Contorno e nas vias de acesso à Ponte Rio-Niterói, pelo lado da capital, são alvos diários de marginais. Essas práticas criminosas requerem medidas urgentes por parte dos responsáveis pela Segurança Pública do Estado.
OUTRO ASSALTO MINUTOS DEPOIS
Praticamente no mesmo momento e no mesmo local outro coletivo também foi alvo de um assalto. A linha da vez foi a 143 (São Gonçalo-Niterói), da Viação Mauá. O assaltante teria entrado na altura da passarela do Buraco do Boi e exigiu o dinheiro do cobrador, cerca de R$ 300, e pertences pessoais de um passageiro apenas. Após pegar os itens ele fugiu, na altura da Leroy Merlin. São frequentes os assaltos e várias vezes já fui a vítima. A gente se sente inseguro para trabalhar. A polícia não tem como tomar conta de tudo. São pontos estratégicos que eles usam para os crimes. Estou abalado com isso tudo, desabafou o cobrador Romeu da Silva, de 48 anos.
TRÂNSITO
O acesso a Ponte Rio-Niterói ficou suspenso por mais de uma hora. O cerco policial em volta do coletivo, na Avenida do Contorno, também agravou a situação do trânsito na cidade de Niterói e São Gonçalo. A PRF informou que de manhã o congestionamento chegou aos oito quilômetros de extensão. Na Alameda São Boaventura, na Zona Norte de Niterói, também foi registrada retenção.