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Agarrados, ela e ele atravessaram os 100 metros de areia entre os barcos e Baco entregues ao ócio naquela vadia noite.
A praia terminava numa pedra cercada de árvores que dava acesso a um morro com palmeiras, cactos e no alto, bem lá no alto, o contraste da pedra com o céu, que parecia enfeites de Natal de tanto brilho, tantas estrelas, satélites.
Não havia lua naquela noite. Mas havia brilho, muito brilho.
Mar parado. Parecia lagoa. Ela e ele sentiram a água quase morna nos pés, tiraram as roupas e mergulharam carregando o pacote com um precioso documento amarrado a um peso, muito bem embalado em plástico que levavam.
Nus, deixaram os corpos envolvidos pelas algas florescentes que a ciência chama de bioluminescentes, exibindo um verde azulado, ou azul esverdeado intenso a cada preguiçosa braçada que davam naquele mar abençoado, silencioso, cúmplice.
A brisa da calma penetrava entre os risos, carícias, lascívia, abusos, enquanto os pés tocavam o fundo.
Deixaram os corpos se assaltarem livre e mutuamente, protegidos pelo manto do amor, dos poemas, das estrelas, das tainhas, da volúpia e de um precioso documento amarrado a um peso muito bem embalado em plástico que conduziam.
A cada orgasmo do cio e infinito, o desejo de que aquele agora fosse sempre, que todos os relógios da civilização congelassem naquele momento, que a estação espacial parasse de girar, os navios parassem de navegar, foi quando ela virou de costas para ele.
Entrega total.
Não precisavam de mais nada, mais ninguém, de mundo algum.
O corpo dela, cheiroso, salobro, de costas, enroscado ao dele; água morna, a mão tocando o falo, afogada em lascívia e apetite, o pescoço que ele mordia forte sob o cabelo moreno molhado, a cópula, o gemido, o sussurro, o talo, os gritos... “não para!”... “não para!”... “não para!”...
A dormência dos corpos boiando à deriva, banhados de seiva e sêmen, provisoriamente saciados, “como eu te amo...como eu te amo... seremos nossos enquanto houver vida nesse mundo”.
Naquele momento, se quisesse o destino que ele afundasse para nunca mais voltar, foda-se, estaria pleno.
Foi mais ou menos o que ela disse. Rodeados pelo silêncio, pelo edredom da noite, brisa de quase verão, ela e ele, ou ela + ele ou ElaEle, desejaram o que ela queria, ele quis o que ela desejava.
Restavam forças.
Nadaram mais um pouco, para o fundo. Juntos mergulharam e liberaram o precioso documento amarrado a um peso muito bem embalado em plástico que levavam.
Fecharam os olhos...Pra que voltar? Por que voltar? Pra quem voltar? Pensaram em tudo que o precioso documento levou consigo, que somente ela e ele sabiam do que se tratava.
Foi nesse momento, exatamente nesse momento, que brotou o mais longo dos beijos de todas as vidas e de todos os seres vivos, em todos os tempos.
Desejaram se deixar levar, para toda a eternidade, enquanto houvesse mar e a luz do céu profundo, até a dança no horizonte final.
P.S. - “Amor é o que se aprende no limite/Depois de se arquivar toda a ciência/ Herdada, ouvida. Amor começa tarde”. (Carlos Drummond de Andrade).