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Esta semana perdi preciosos minutos explicando porque detesto usar o whatsapp, gerador de discórdias que, há tempos, tive que instalar por obrigação profissional.
O português é um idioma difícil de domar, mesmo assim as pessoas saem escrevendo naquela joça se achando Machado de Assis, ou Ana Maria Machado, ou Caetano Veloso.
Ficam 24 horas parindo texto frio, linear, atonal, sem pausas, as vezes sem ponto de interrogação, o que transforma dúvida em afirmação; em 80% dos casos mal cuspidos, ou mal escritos, cheios de eziste com z, acabam se tornando até ofensas involuntárias.
Aí você pensa, “putz, o cara passou algum sufoco com o whatsapp e está desabafando”.
Não! Sífu, cara pálida.
Não passei sufoco nenhum, apenas assisto da arquibancada da vida, sorvendo picolés de manga, a humanidade brigando na lama com o celular na mão, tendo como desagregador mor o whatsapp, coerentemente da cor verde, não das matas, do mar; um verde diferente, tom da inveja, do ódio, da diarreia emocional.
Eu vi uma mulher pedalando em zigue e zague em pleno calçadão da praia de Icaraí, com aquele OB minimalista (ou shit player) enterrado nos ouvidos, quase atropelando crianças, idosos, cachorros e, claro, teclando no whatsapp.
A multidão não xingou a baranga porque também estava teclando ou falando no whatsapp
Depois da era do gelo, vivemos a era do dane-se.
Cada vez mais egocentrada como um disforme molusco, a sociedade cria bípedes que, ao invés de perguntarem “como vai, vai bem”, substituem por “como vai, vou bem?”.
Para eles, o whatsapp caiu justinho como uma peruca Lady nos anos 1960.
Como se temporal de estrume fosse pouco, vendedores, manicures, corretores, todo mundo entra no “nosso” whatsapp, responsável por inúmeros acidentes de trânsito porque a impunidade permite que motoristas dirijam teclando e...olhando para a tela.
Enfim, podendo olhar para ela, pra que olhar pra tela?
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As batalhas navais ensinam que diante do bombardeio os submarinos submergem.
Submergir é proteção.
“Sai, sai do sereno menino”, diz a canção que alerta que “sereno pode fazer mal”.
Uma tradução urbana do ato de submergir.
Se bem que não sinto o sereno há muitos anos.
Nem ele, nem a garoa, nem a neve de Itatiaia.
Itatiaia foi onde passei um dos melhores fins de semana de minha vida.
“A vida é assim”, dizia Zora Yonara, astróloga do rádio e sua voz enigmática com eco que alertou por décadas: “você tem pela frente uma sequência de vitórias esplendorosas. Insista!”.
A submersão é vital para a sobrevida.
Basta ter ar suficiente e muita humildade.
Castrar os ventos tortos da arrogância, deixar nossa nau existencial largada no fundo do mar, ao lado dos polvos e dos peixes abissais.
Os tímidos vivem nos bancos de areia, cercados de corais.
Parados, prestando atenção nos praticantes de evasão de privacidade (essa é do Tutty Vasquez) que exibem sua anêmica e minúscula burguesia nas redes sociais, gênero “estou tão feliz nessa foto, tão feliz que se me assoprar eu caio no chão e choro”.
Ahhhh, o blefe das redes sociais. Ahhhh, o blefe das redes. Ahhhh, o blefe das sociedades. Ahhh, o blefe crônico da humanidade.
Submergir faz bem a saúde.
Mesmo quando o oponente lança bombas de profundidade que fazem nosso casco mugir como o touro do Apocalipse.
Quem sabe submergir se esconde nas montanhas de pedra submarinas. Pouca luz, nenhum som, motores desligados.
Esperandor a tormenta passar.
Um, 12, 30, 600 dias.
Submarinos atômicos.
Autonomia.
Falo de nós, longa autonomia.
As batalhas navais ensinam que diante do bombardeio os submarinos submergem e que as galinhas morrem por cacarejar depois de botar ovo.
Não é o caso do bicho-preguiça mergulhado em seu mutismo, espatifado até por skate.
Não fala, mas não corre.