Assinante
Meu trelelê com a bossa nova se deu em dois momentos: na infância, toda vez que a família vinha de Angra para Niterói (passava pelo Rio) de carro meu pai aumentava o volume do rádio. Tocava muita bossa nova na Rádio Jornal do Brasil, que ele ouvia sempre.
Ao som de bossa nova, digo, Bossa Nova (merece maiúsculas) o carro descia a Via Dutra, entrava na avenida Brasil e passava em frente a uma área enorme cheia de caminhões e máquinas, onde um gigantesco outdoor informava: “Aqui, a futura sede do Jornal do Brasil”. A logomarca do JB era um elefantinho.
As notícias da Rádio JB (que como o jornal, funcionava na avenida Rio Branco, 110) brotavam no alto falante do carro, seguidas de ótima música, em especial Bossa Nova. Foram registros muito fortes que só fui perceber muito mais tarde.
O Jornal do Brasil mudou-se para a avenida Brasil, 500, em 1972. Comecei a trabalhar lá, como repórter da Rádio JB AM, em 1974. Toda vez que entrava no prédio, olhava para o ponto da avenida Brasil onde, pequeno, avistava o tal outdoor nos tempos de Angra-Rio, e “ouvia” Bossa Nova.
Hoje, quando passo ali em frente hoje (virou a sede do Into), meu coração aperta. Saudade dos meus pais e da felicidade que eles me ensinaram a sentir na infância. Acreditei que a felicidade não era um estado imaginário, mas palpável como as lágrimas da gratidão. Já pensei em tentar visitar o prédio atualmente, mas acho que o escritor e porta Rubem Alves (1933 – 2014) tinha razão. Ele disse:
“Não volte para onde um dia você foi feliz; é uma armadilha da melancolia, tudo terá mudado, nada será igual, nem mesmo você. Não tente procurar as mesmas paisagens, nem as mesmas pessoas, elas não estarão, o tempo joga pesado, e terá se encarregado de destruir tudo o que um dia te fez feliz”.
Começar a trabalhar no edifício do elefantinho foi a realização de um sonho, por sinal, o sonho e todo jornalista naquele tempo. A história impressionante do Jornal do Brasil foi contada por Cezar Motta no livro “Até e última página – uma história do Jornal do Brasil”. Belisa Ribeiro escreveu “Jornal do Brasil: História e memória”.
A Bossa Nova voltou a me seduzir na segunda metade da década de 1980 graças ao convívio com o amigo e mestre Roberto Menescal. Ele era diretor artístico da gravadora Polygram e foi numa tarde chuvosa que, almoçando com ele no Tarantella, na Barra, comentei que gostaria de fazer uma incursão profissional na Bossa, quem sabe produzindo alguns artistas novos, etc. “Não quero ficar estigmatizado como roqueiro”, eu disse.
O sábio Menescal deu um sorriso engraçado e disse “as pessoas me olham e só pensam na Bossa Nova e no “Barquinho”. Comecei a curtir. Por isso, curta o rock. Curta muito esse estigma”. Nunca mais pensei no assunto, mas comecei mesmo a ouvir Bossa Nova com direito a livros de Ruy Castro na cabeceira. Ruy Castro, por sinal, era um dos grandes na redação do JB quando eu iniciava na Rádio JB e sempre odiou rock com toda as suas forças. Sempre ouço “Fotografia”, com Nara Leão e Dindi, com o próprio Tom Jobim cantando.
Conheço muito pouco a obra de João Gilberto, mas quis escrever uma homenagem a ele quando morreu, em 2019. Escrevi no meu blog, desejando Paz e Sossego. Aliás, depois de girar o mundo revolucionando a música, João Gilberto foi sepultado em Niterói, no cemitério Parque da Colina. Nunca entendi por que.