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A 3ª Vara Federal de Niterói suspendeu, em sentença assinada pela juíza federal Marina Silva Fonseca, as obras de um empreendimento imobiliário no Morro do Gragoatá. A ação foi movida pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
A Tribuna teve acesso ao processo. Além da suspensão, a decisão condena as rés Planurbs S/A Planejamento e Urbanização, Girassol Incorporadora LTDA, Rossi Residencial S/A e PIGC Empreendimentos Imobiliários LTDA à recomposição ambiental da área do Morro de Gragoatá. Caso haja impossibilidade, elas terão que pagar indenização compensatória destinada a projetos de recuperação ambiental da área em questão ou de áreas degradadas semelhantes. O Município de Niterói também foi réu na ação, mas não foi condenado.
Em contato com A Tribuna, a 3ª Vara informou que a sentença foi proferida no dia 6 de novembro. A fase atual é de prazo aberto para recurso das partes.
ENTENDA O CASO
A UFF e o MPF alegam que o Morro do Gragoatá vem sendo descaracterizado ambientalmente, com o objetivo de implementação de projetos imobiliários, tendo as construtoras avançado para área da Universidade, nos anos de 2005 e 2006, causando danos em projetos de plantio e recuperação ambiental. A estimativa é que 10,30 hectares foram danificados.
A UFF também anexou ao processo um relatório do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RJ) de 2005, que identificou processo acelerado de erosão na encosta, decorrentes de desmatamento e movimentações inadequadas de terra, realizadas na encosta da Boa Viagem e no Morro do Gragoatá. O CREA também mencionou a existência de projeto de construção do “Condomínio Residencial Multifamiliar no Morro do Gragoatá”, prevendo oito blocos de apartamentos com 263 unidades no entorno da encosta voltada para a Baía de Guanabara, situada em área pertencente ao ecossistema de Mata Atlântica.
A reportagem entrou em contato com o CREA, questionando se esse era o relatório mais recente, e o conselho confirmou. A Tribuna tentou ter acesso ao relatório, mas o CREA informou que, por ser um documento com quase 20 anos, não está digitalizado.
Também de acordo com os documentos anexados pela UFF, na década de 1970, o morro sofreu um desmonte, perdendo aproximadamente um terço da altura. O topo do morro acabou se tornando um platô irregular.
LEI MUNICIPAL NÃO ABRANGE O MORRO
No processo, o município de Niterói anexou a Lei Municipal Nº 2.099, de 14 de outubro de 2003, que considera área de preservação permanente, partes do Morro do Gragoatá com inclinação igual ou superior a 45º, sendo liberadas partes com declividade média menor que 6º. Conforme laudos técnicos e perícia judicial, a degradação feita desde a década de 1970 resultou que o terreno tivesse uma declividade que ultrapassa 45º.
No entanto, a decisão judicial ressaltou que o Código Florestal Brasileiro, Lei nº 4.771/1965, bem como a Resolução CONAMA 303 de 2002, classificam a área como de preservação permanente. Mesmo que o Município de Niterói tenha alterado o plano diretor para permitir construções na área degradada, os elementos dos autos indicam que essa alteração visa a consolidar uma degradação ambiental histórica, contrariando a legislação ambiental vigente.
Em Laudo Complementar, a perícia concluiu que as obras foram feitas a mando do governo, com participação de empresas privadas na execução dos serviços, incluindo a Cia Territorial Fluminense, hoje Planurbs S.A.
CASO ANTIGO
Mesmo com a decisão saindo este ano, o processo está em andamento desde 2006. Porém, o assunto veio à tona em 2017, quando, segundo O Globo, o reitor Sidney Mello assinou acordo na 4ª Vara Federal, cedendo a propriedade do terreno de aproximadamente 60 mil metros quadrados em favor das empresas Planurbs S/A e Girassol Incorporadora S/A.
No dia 28 de fevereiro de 2018, de acordo com A Tribuna, o juiz federal William Douglas, da 4ª Vara Federal de Niterói, devolveu a posse do terreno do Morro do Gragoatá à UFF, invalidando a liminar que ele concedeu, no dia 5 de fevereiro daquele ano, à Planurbs. Em 17 de setembro de 2019, o Tribunal Regional Federal (TRF) devolveu a posse à Universidade Federal Fluminense.
À reportagem, o atual reitor da UFF, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, comentou sobre a decisão recente da Justiça.
"A UFF considera a área do Morro do Gragoatá como uma propriedade do seu campus e tem como objetivo implementar, nessa Área de Proteção Ambiental, projetos de pesquisa e extensão ligados à sustentabilidade e à preservação do meio ambiente. Existe, inclusive, um Protocolo de Intenções assinado com a Prefeitura de Niterói para que avancemos no sentido de ampliar a preservação e a restauração dessa área".
INEA NÃO RECEBEU REQUERIMENTO PARA OBRAS
A Tribuna procurou o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), para saber se houve o requerimento de alguma licença para as obras. O INEA respondeu através da seguinte nota:
“O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informa que não recebeu requerimento de licença ambiental para as obras desse empreendimento imobiliário, e que a fiscalização dessas intervenções compete a administração municipal, conforme a Lei Complementar 140/2011, por ser tratar de impacto local”.
Até o fechamento desta matéria, a reportagem não conseguiu contato com a Planurbs, a Girassol e a PIGC. Questionadas, a Rossi Residencial e a Prefeitura de Niterói não retornaram.
Em pronunciamento oficial, o procurador federal Jailton Augusto Fernandes comentou que a vitória da UFF e do MPF se relaciona com alguns outros processos que envolvem o Morro do Gragoatá. O principal deles é uma ação de desapropriação ajuizada pela UFF, ainda em 1982, na qual a instituição busca aferir quem de fato é o titular da propriedade.
"Essa ação está hoje em fase de perícia. A Universidade acredita que os títulos cartorários foram obtidos de maneira irregular na década de 1950, e que toda a área seria, em verdade, de domínio público", afirmou o procurador.
Jailton também destacou que o resultado influencia diretamente a análise da ação de desapropriação, porque as empresas envolvidas ainda tentam reaver as áreas para erguer os empreendimentos imobiliários.
"Ainda que seja posteriormente reconhecido algum direito à indenização, essa avaliação será afetada pelo reconhecimento de que essas áreas não são passíveis de exploração econômica", concluiu.