Assinante
Os olhos do menino Liebert Ferreira Pinto faiscavam pela engenharia, profissão que escolhera ainda em sala de aula no extinto Colégio Piedade, Zona Norte do Rio, mas bastou conhecer o amigo de turma Evangivaldo de Souza Pedro da Luz, o Pedrinho, para juntos, decidirem montar um conjunto musical.
Influenciados pelos anos 60 que foram marcados pela popularização do Rock and Roll com bandas como The Beatles e The Rolling Stones, o que aqueles dois garotos queriam era que as pessoas cantassem as músicas que eles criariam e não apenas utilizassem melodia, harmonia e ritmo como um ato político. A principio, a ideia era tocarem apenas em festas de amigos.
Batizado de Conjunto Young, logo perceberam que não iriam longe. Investiram em um outro nome e escolheram The Fender, marca famosa que fabricava guitarras mundo afora. Erro imperdoável para quem queria viver da música e fazer do rock o ganha pão.
Por fim, como herrar é umano, juntaram o útil ao agradável e em um rompante de luz divina, Liebert e Pedrinho, ainda meninos, personificaram a genialidade sabe-se lá e decidiram pela terceira e última vez mudar o nome do conjunto quando surgiu Elvis Presley cantando Fever, canção composta por Eddie Cooley e John Davenport, que imediatamente despertou em Pedrinho que o título da canção poderia ser o nome do conjunto com o S no final e o The no começo.
Liebert, co-fundador da lendária banda, falou com exclusividade A TRIBUNA
A TRIBUNA - Como surgiu o The Fevers?
Liebert - O The Fevers surgiu do nada. Eu e Pedrinho éramos colegas de sala no Colégio Piedade e como a febre dos Beatles estava chegando ao Brasil, decidimos formar um conjunto para tocar. Ficamos na dúvida e começamos a realizar apresentações em festinhas sem intenção de trabalhar com música, pois queríamos cursar engenharia, advocacia ou medicina, profissões que todo jovem sonha. Mas o conjunto começou a ser convidado para tocar, a coisa começou a dar certo e resolvemos apostar que aquilo seria o que faríamos a partir de então. O primeiro nome escolhido foi Young, pois na nossa cabeça a escolha de um nome inglês seria importante para a coisa funcionar. O nome acabou não dando certo e descobrimos que havia uma guitarra na época muito famosa chamada Fender e colocamos esse nome no conjunto e passamos a ser conhecidos como The Fender. O negócio até que engrenou, mas uns amigos nossos nos disseram: Olha, vocês não podem continuar tocando e usando o nome dessa guitarra que é uma marca famosa. Certa vez, dentro de sala de aula, eu e o Pedrinho falamos um para o outro: Poxa, vamos ter que trocar pela terceira vez o nome do conjunto. Mas o Pedrinho era fã do Elvis Presley e da música Fever e tivemos apenas o trabalho de incluir o S no final do nome e colocar na frente do nome as letras T,H e E. Dessa forma, ficamos conhecidos como The Fevers e passou a nos dar sorte e o negócio foi embora. Desde então, naquele ano de 1965, começamos a levar a coisa mais a sério e chegamos a participar na Rádio Mayring Veiga no programa Hoje é Dia de Rock na Rádio Mayrink Veiga com apresentação de Jair de Taumaturgo.Naquela época, os microfones eram utilizados por Roberto Carlos, Wanderléa, Erasmo Carlos, Wanderley Cardoso e Renato e Seus Blue Caps, que começaram a fazer sucesso dois anos antes de nós e eram do reduto da Piedade. Posso te afirmar que foi ali, que a carreira do The Fevers começou de verdade.
A TRIBUNA - E qual foi a primeira apresentação com a formação original do The Fevers?
Liebert - O primeiro programa musical que fizemos foi na TV Continental e é curioso dizer que fomos eu e o Pedrinho em companhia de um amigo que tocava conosco chamado Almir lá nos apresentar. Fomos montando o conjunto aos poucos, pois conhecemos o Cleudir no River Futebol Clube, que tocava teclado, e o Lécio, nosso baterista, entrou na vaga de um outro baterista que acabou não indo tocar neste dia porque a mãe dele não autorizou ele ir. Mas isso foi bem antes da nossa participação no programa Hoje é Dia de Rock na Rádio Mayrink Veiga, evento marcado pela nossa apresentação e pela entrada de um rapaz chamado Miguel que mal sabia falar português, mas tinha visto na TV que, das bandas da Jovem Guarda, a única que não contava com saxofone era o The Fevers. Isso sem falar no Luiz Cláudio, que cantava em inglês, entrou em 69 e continua até hoje dando uma nova cara ao The Fevers com seu talento. Pronto, o conjunto estava completo!. Mas a primeira apresentação original do The Fevers foi eu, Pedrinho, Cleudir, Almir e o Lécio.
A TRIBUNA - É verdade que o grupo foi eleito melhor conjunto para bailes em 1968 e lançou um LP chamado Os Reis do Baile?
Liebert - Exatamente. Gravamos um compacto simples pela Phillips do Brasil, com a música Vamos Dançar o Let Kiss e que apesar de não ter dado o resultado que era esperado por nós, foi importante por ter sido o primeiro disco. Logo depois, já na Odeon, que era a grande gravadora da época, gravamos o primeiro LP A Juventude Manda, só com sucessos da Jovem Guarda. Foi tanto sucesso que gravaram A Juventude Manda II, no ano seguinte. Em 1968, com uma versão de Its Too Late, de Johnny Rivers, rebatizada como Já Cansei, viramos um dos maiores fenômenos discográficos do país. Na mesma época, Roberto Carlos foi a São Paulo participar do programa da Jovem Guarda na TV Record com a música Quero que tudo vá pro inferno, que havia estourado.
A TRIBUNA - Em 1982, a música Elas por Elas entrou na abertura da novela da TV Globo colocando o grupo como um dos grandes vendedores de discos e de shows do país à época. No ano seguinte, outra abertura de novela: a música Guerra dos Sexos trouxe um público mais jovem a conhecer o trabalho do grupo. Essas aberturas de novelas foram um divisor de água para o The Fevers?
Liebert - Sem dúvidas! Antigamente, é importante dizer, para você ter uma música autoral tocada em uma novela da Rede Globo, seja na abertura ou dentro do folhetim, era porque você estava realmente em ascensão no cenário musical. Para o The Fevers foi maravilhoso, pois tivemos um estrondoso aumento na venda de LP e a Globo gostou tanto que depois de Elas por Elas nos convidou no ano seguinte para Guerra dos Sexos. Foi muito importante para o conjunto e foi um divisor de águas, tendo a nossa música, inclusive, chegado a Portugal, onde a música Onde Estão Teus Olhos Negros nos garantiu o disco de platina.
A TRIBUNA - Com você, Luiz Claudio, Rama, Otávio Monteiro e Claudio Mendes, o The Fevers se apresenta pelo Brasil executando sucessos. Podemos afirmar que o The Fevers é a banda mais popular do Brasil?
Liebert - Olha, nos chegamos a ter o título da banda mais famosa do Brasil em um concurso promovido pelo Fantástico em 1974. O que eu posso te falar disso é que foi uma homenagem que o The Fevers carrega até hoje com muita felicidade em ser considerada a banda mais famosa do Brasil. Ser a banda mais famosa em atividade me deixa feliz e extremamente tocado com o carinho do público.
A TRIBUNA - São 57 anos carreira com mais de 50 produtos lançados, entre vinil, cassete, CD, DVD e compilações diversas. Isso sem contar os mais de 13 milhões de cópias vendidas. O que o The Fevers quer mais?
Liebert - A gente quer continuar tocando, alegrando as pessoas e estamos muito felizes por estar, há 57 anos, de volta aos palcos depois de dois anos parado em virtude da pandemia. Mas o que é mais legal dizer é que em todos os lugares em que estamos tocando, as casas estão com os ingressos esgotados. Isso para nós, sinceramente falando, é motivo de orgulho, por nos fazer entender que o nosso público estava com saudades do The Fevers e nós com saudades dos fãs.
A TRIBUNA - O público pode esperar alguma novidade em breve?
Liebert - Talvez sim. Quem sabe uma live com todos os integrantes do The Fevers contando a trajetória de cada um nesses 57 anos de luta, das coisas que vivenciamos juntos e da nossa música. Eu percebo nas apresentações que o público sente falta das nossas músicas que até hoje são sucesso como Mar de Rosas, Vem me Ajudar, Onde Estão Teus Olhos Negros as canções que foram temas de novela, entende? Ainda dá para fazer muita coisa bacana nessa estrada em que estamos há quase seis décadas.
A TRIBUNA - Liebert, todo começo é difícil, independe da profissão. Na sua opinião, qual foi a maior dificuldade que o The Fevers enfrentou?
Liebert - Foram alguns. Era difícil comprar instrumentos para as apresentações, sabe? Começamos a fazer nossos próprios instrumentos em casa para tocar e depois que aparecemos na televisão, no programa da Jovem Guarda, conseguimos patrocínio de uma fábrica que vendia artigos musicais em São Paulo. A gente não tinha a noção exata do que era preciso para trabalhar com música no começo da carreira do The Fevers. Mas graças a Deus, quando gravamos o primeiro LP na gravadora Odeon que tinha como sucesso estrondoso a canção Agora Eu Sei em 1969. No ano seguinte, emplacamos Cândida e O Mar de Rosas e o Vem Me Ajudar em 1971, duas músicas que são certas em serem tocadas em toda nossa apresentação. Daí por diante, enchemos bailes, fizemos televisão, Chacrinha e nossa carreira não parou mais.
A TRIBUNA - O Mar de Rosas e Vem me Ajudar são os maiores sucessos do The Fevers?
Liebert - Cara, essas canções são consideradas os nossos maiores sucessos. Até hoje, independentemente da cidade em que a gente venha se apresentar, sempre é pedida, mesmo depois dessa virada de século (risos).
A TRIBUNA - Ao lado dos Demônios da Garoa e Renato e Seus Blue Caps, o The Fevers fecha o pódio de longevidade como conjunto musical. Qual o segredo para se manter ativo até hoje?
Liebert - Não existe um segredo. Existe trabalho. Para você ter uma ideia, fazíamos bailes em todos os lugares que você possa imaginar, como nas vezes em que tocamos em Niterói, no Tamoio e Mauá em São Gonçalo, além é claro, do apoio de alguns que foram importantes para nós durante a caminhada. Mas se existe um segredo, eu não sei te responder, no entanto, te asseguro com toda sinceridade do mundo, que o amor ao que fizemos e a forma com que tratamos nossos fãs são para nós, a fórmula não do sucesso, mas a combinação que vem dando certo nesses anos todos. Queremos continuar tocando e alegrando a vida das pessoas que curtem o The Fevers.
A TRIBUNA - Qual a expectativa para esse show no Imperator?
Liebert - As melhores possíveis. Estamos revestindo o repertório e vamos fazer dessa apresentação mais uma inesquecível e uma festa muito bonita.