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Leonardo Brito
As motos estão cada vez mais no dia a dia das avenidas e estradas nas pequenas e grandes cidades em todo o Brasil.
O boom dos aplicativos de entregas após a pandemia fez esse número explodir.
Só em 2024, foram vendidas 1.875.903 motos no Brasil, de acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
Esse número representa um aumento de 18,6% em relação a 2023. O problema é que cada vez mais motos, mais acidentes e mortes.
Uma vítima, que preferiu não se identificar, tem 22 anos e mora em Búzios.
No dia 11 de janeiro, o jovem, que trabalha em uma praia da cidade, pegou sua moto e foi dar uma volta. Acabou ultrapassando a velocidade permitida e bateu violentamente em um poste.
Em estado grave, foi encaminhado ao Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo.
Teve uma contusão pulmonar mas hoje está estável, se recuperando na unidade. O rapaz que sequer conseguiu falar para esta matéria, por conta da traqueostomia que fez, admitiu que tem sorte de estar vivo.
Sorte que não tiveram mais de 800 pessoas que morreram em acidentes de moto nos últimos dois anos.
Em todo o estado só no ano passado foram 407 mortes, número pouco menor que em 2023, quando morreram 421 motociclistas.
Em 2023, o número de óbitos causados por atropelamento, seja por motos ou veículos de três rodas, foi de 26. Em 2024, 27 pessoas morreram por esse motivo.
Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, informados pelo Governo do Estado.
Jovens sem carteira
Mortes de pessoas cada vez mais jovens, muitas vezes sem habilitação, sem capacete e usando motos de terceiros.
Entregadores, pessoas que usam o veículo para ir ao trabalho ou para passeio ou até mesmo pessoas que usam para praticar crimes.
Todos estiveram na linha da morte e dos acidentes de moto no estado. A fiscalização em cima disso é fraca e falha, mas o número de motos emplacadas no estado e no Brasil cresce cada vez mais. E a tendência é aumentar.
Esse número de mortes poderia ser maior se não existissem dois centros de trauma que cuidam exclusivamente de casos como esse.
A reportagem de A TRIBUNA conheceu os centros de trauma dos Hospitais Azevedo Lima, em Niterói e Alberto Torres, em São Gonçalo. Os dois hospitais, da rede estadual, são referências no atendimento a pacientes que sofrem acidentes de moto.
Hospitais sobrecarregados
Os dados de casos que envolvem motocicletas nos dois hospitais são preocupantes:
No Hospital Azevedo Lima as vítimas de acidentes de moto subiram de 1.900 em 2023 para 2.832 em 2024, cerca de 60% do setor de traumas.
No Alberto Torres o número subiu de 2.823 casos em 2023 para 4.238 em 2024, um recorde. Só no setor de traumas, o número de acidentados de moto chega a 90%.
No Hospital Azevedo Lima, a diferença de casos de 2023 para 2024 são quase mil. De cerca de 1.900 casos em 2023, o número pulou para 2.823 em 2024.
Para o gerente médico do hospital, Dr. Ricardo Cantharino, a tendência é o número aumentar nos próximos anos, o que é preocupante, já que apenas 10% saem sem algum tipo de sequela.
“O número de acidentes de moto tem crescido ano a ano. Nos preocupa muito o fato de que do ano de 2023 para 2024 são quase mil casos a mais.
"O setor de traumas é ocupado por 60% de pacientes provenientes de algum acidente com moto. Desses, apenas 10% se muito, saem sem nenhum tipo de trauma, aqui no hospital.
"Esses casos envolvem lesões nas extremidades como braços, pernas e cabeça na maioria. E em 90% deles, o paciente sai com alguma sequela. “, afirmou o médico.
Cantharino aponta ainda que a principal causa das mortes é o trauma na cabeça, mas que as lesões vão além.
“A parte ortopédica fica bem prejudicada. Em acidentes como esses de moto, a recuperação é muito lenta”, concluiu o médico.
Pilotando olhando o celular
Foi o que aconteceu com um motociclista de aplicativo, morador do Fonseca, de 39 anos, que se acidentou em Neves, São Gonçalo, na última terça.
Ao olhar no celular para verificar a entrega, bateu num carro e quebrou a tíbia (um dos principais ossos da perna).
Ele elogiou o tratamento dado no HEAL e disse que a cirurgia que fará para sua recuperação é a terceira em sua vida. A terceira em acidente de moto, as outras duas em 2010 e 2015, respectivamente.
A vítima trabalha dessa forma há quinze anos e mesmo sabendo do perigo, não se vê fazendo outra coisa
“Infelizmente não tenho condições de trabalhar com outra profissão. Saindo daqui vou ter que pilotar moto novamente. Sei que é perigoso, que é complicado, vou tomar mais cuidado, mas não tenho outra alternativa. “, concluiu
Rolezinhos: 32 internações numa madrugada. Centro de trauma 90% ocupado por motociclista
Indo para São Gonçalo, a situação é ainda mais grave. São frequentes os rolezinhos de moto que atrapalham a vida de moradores e pedestres nas ruas da cidade.
No momento que fazíamos a reportagem, eram 32 acidentados de moto no Hospital Alberto Torres na madrugada anterior, com 6 mortes. Alguns desses envolvidos nesses rolezinhos. E chegaram ainda mais 4.
Por dia são 15 pacientes. Nos finais de semana esse número chega a 80, 5 vezes mais. O Centro de trauma é ocupado 90% por acidentes envolvendo moto.
A unidade funciona um hospital próprio dentro do Alberto Torres e possui excelência de atendimento que conta até com heliponto e um protocolo de atendimento de 15 minutos foi baseado na experiência obtida em Baltimore, nos Estados Unidos.
Por conta disso, o número de mortos no hospital é pequeno, cerca de 1%. Abaixo da média de 5% no geral.
"Diariamente homens, mulheres, jovens, idosos e crianças entram nas emergências com diversas contusões, lesões ou ferimentos em várias partes do corpo, que demandam cuidados especializados, além de exames de imagens e intervenções cirúrgicas.
"Muitos saem bem, outros com graves sequelas, mas alguns não sobrevivem", explica o médico Marcelo Pessoa, coordenador do Centro de Trauma do Heat.
Autoridades não se impõem
O alto índice de acidentes de trânsito, além de lotar as emergências e as enfermarias, também impacta diretamente no banco de sangue do hospital. Somente em 2024, foram necessárias 8.119 bolsas de sangue.
O crescimento de casos de acidente de trânsito também gera crescimento no número de atendimentos no ambulatório de pós operatório.
Em 2023 foram cerca de três mil consultas e procedimentos nos quatro primeiros meses no HEAT. Em.2024, o número saltou para cerca de cinco mil. A maioria dos atendimentos é para ortopedia e neurocirurgia no hospital.
Mais motos novas
Em todo o estado, o número da frota de motocicletas emplacadas até o fim de 2024, é de 1.657,308, segundo os dados enviados pelo DETRAN.
O número de motos na região metropolitana é de 1.105.327 e no interior do estado é de 551.981.
Esse percentual de expansão de motos no Brasil é o maior desde 2021, quando o segmento de duas rodas alcançou 26,4% de alta, mas com 1.157.257 unidades emplacadas.
“Dificilmente os números vão diminuir. Temos que frear estes números. São acidentes que podem ser evitados. “, concluiu o diretor do HEAT.