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Vamos até os anos 1970. Muitas redações de jornais e revistas no Brasil tinham que conviver com um molambo isolado num canto, sentado numa mesa cheia de papéis.
Esse protozoário era um amarra cachorro da ditadura a quem os jornalistas eram obrigados a submeter as suas matérias. O déspota usava duas canetas. Se riscasse com a azul, matéria liberada, mas se usasse a vermelha, matéria censurada.
Imbecis, iletrados, eram agentes (sem crachá) que trabalhavam para a ditadura, em geral DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). O jornalista Elio Gaspari os chama de tigrada. A maioria prestava serviços como dedo duros, sabotadores e, em alguns casos, faziam free lancers como torturadores.
Eram tão energúmenos que alguns casos se tornaram vexatórios. No Rio, um censor vetou uma matéria sobre o livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, clássico de Machado de Assis, publicado em 1880. Sem ler, o boçal do censor achou que era um livro sobre Cuba, logo comunista. Vetou a matéria.
No entanto, não dissimulavam. O jornalista sabia quem era, via as canetas e caso criasse caso sofria as consequências. Ah, sim, a tigrada usava armas sem registro ou com a numeração raspada.
Ou seja, a censura era assumida e abertamente canalha, utilizando uma escória que se orgulhava do serviço imundo que faziam. Não mentiam.
Nos estranhos tempos atuais a tigrada age na treva.
Ao criar a anti comunicação a tigrada confundiu de propósito liberdade de expressão com ofensa e censura. Nas redações dos jornais, revistas e sites não há orangotangos decidindo o que pode e o que não pode ser publicado, mas nas sombras da internet decretam que ofensa é sinônimo de liberdade de expressão.
Em qualquer regime que se preze (e em até alguns que se despreze), uma ofensa pode dar processo, condenação, indenização e até cadeia.
Ofensa é, por exemplo, chamar qualquer pessoa de ladra, piranha, vagabunda. Isso não é liberdade de expressão,isso é injúria, difamação, como xingar a mãe.
O mesmo em relação a mentiras deslavadas, batizadas pelos moderninhos de fake news. Mentira dá processo e até condenação.
Vivemos, sim, um período de liberdade de expressão. O que não existe é liberdade para ofensa, esculacho, difamação. Qualquer cidadão que se sinta ofendido, injuriado, difamado, presencialmente, ou via internet, telefone, qualquer meio, pode entrar com uma ação na Justiça.
Recentemente numa rede social chamaram um cantor e compositor de pedófilo. Ele processou quem o ofendeu e a Justiça determinou uma indenização milionária a seu favor. Assim funcionam as sociedades civilizadas. Já nas hordas, nos bandos, é vale tudo. Cancelamento, tapa na cara, tortura que cinicamente chamam de liberdade de expressão.
Curiosamente, os dois candidatos que lideram as pesquisas para presidência da República defendem abertamente a censura aos meios de Comunicação. Lula anuncia uma tal de regulação da mídia que é a intervenção do Estado na Comunicação. Bolsonaro xinga, ofende, nunca escondeu que deseja quebrar, falir empresas de comunicação que não rezam na sua cartilha.
Na ditadura militar o jornalismo profissional encarou um inimigo visível. Brutal, tosco, cruel, mas visível. Hoje, o inimigo anda nas sombras, em ações veladas, indiretas, disfarçadas de expressões da liberdade que, na verdade. O inimigo adoraria viver sob o manto de chumbo de um regime fechado que lhes dê o que mais deseja: impunidade.
No mais, vamos caminhando sobre o gelo fino da liberdade possível já que a liberdade ideal está perdida no espaço.