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Edgard Fonseca é uma figura muito conhecida na cidade. Amigo, colega jornalista, publicitário, ele tem na inquietação uma de suas maiores qualidades. Está sempre fazendo alguma coisa, executando, inventando.
Há dias me ligou e marcamos uma conversa. Ele está na presidência da Academia Niteroiense de Letras e me convidou para assumir a cadeira número 6, que pertenceu ao poeta e inveterado boêmio Fagundes Varella, patrono da Academia Brasileira de Letras.
Aceitei, claro. Ser acadêmico em minha cidade é um comovente sinal de reconhecimento pelos meus 50 anos de escrita, jornalismo, profissão (na verdade, militância) que me pegou pelo pescoço há cinco décadas e nunca mais largou.
Na esteira do jornalismo escrevi livros.
Aliás, penso em escrever um sobre esses 50 anos, meio de memórias. Penso, mas não escrevo, ao contrário esta coluna que escrevo, mas não penso. Se pensar, não publico.
Sei porque ainda não escrevi o livro. O calor tem o poder de anular boa parte de minhas boas intenções e só um sadomasoquista, daqueles de coçar as costas com bombril jogando álcool em seguida, acha agradável parir um livro com 38 graus à sombra no lombo.
Estive na Academia Niteroienses de Letras semana passada. Edgard me apresentou aos outros acadêmicos que me receberam afetuosamente como se eu já fosse veterano naquele grupo fundamental.
Assisti a uma ótima palestra da acadêmica e escritora Márcia Pessanha sobre a Semana de 22 e a reação do país as novas cabeças, a vanguarda que surgia e foi vaiada na São Paulo revoltada com os novos ventos (na verdade tornados) que tentaram varrer a caretice do mapa.
O chamado Grupo dos Cinco representava o rompimento: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral (pintoras), Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Mário de Andrade (escritores). Eles tentaram afogar o conservadorismo, defendiam a negação de todo "passadismo" e clamaram por liberdade de expressão.
Uma facção defendeu a antropofagia cultural, quando a influência cultural de outros países deveria ser devorada e assimilada. Assim, a arte brasileira contaria com esses elementos, ressurgindo não como um reflexo cultural externo, mas como uma identidade brasileira multicultural e original.
Os ecos da Semana 22 foram ouvidos claramente na segunda metade do século 20, com a Tropicália, a geração da Lira Paulista no teatro na década de 1970 (que introduziu Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, entre outros), o Cinema Novo. A Bossa Nova também deve muito aos modernistas, por sua particular interpretação do movimento antropofágico. Os ecos deixaram um desafio: decifrem Araçá Azul de Caetano Veloso.
A ANL funciona numa casa simpática, bem na esquina de ruas São João com Visconde do Uruguai, uma região que homenageei em https://bityli.com/ZPuNV . Acho que as escolas da cidade principalmente as públicas - deveriam incluir a Academia na rota de visitas dos alunos para eles entenderem a importância das pessoas que sentem, pensam, amam a cidade.
Nascida em 11 de junho de 1943, auge da II Guerra Mundial, A Academia Niteroiense de Letras teve esses fundadores, segundo informa o seu site:
Antônio Santa Cruz Lima, Brígido Tinoco, Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, Dulcydides de Toledo Piza, Francisco Martins de Almeida, Francisco Pimentel, Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes, Guaracy de Albuquerque Souto Mayor, Heitor Luiz do Amaral Gurgel, Horácio Pacheco, Jefferson dÁvila Júnior, José Pinto Nazareth, Lealdino Soares Alcântara, Macário de Lemos Picanço, Marcos Almir Madeira, Myrtharístides de Toledo Piza, Raul de Oliveira Rodrigues, Rubens Falcão, Ruy Buarque de Nazaré, Serafim Silva, Sylvio Lago e Walfredo Martins.
Obrigado, Edgard Fonseca. Obrigado, colegas acadêmicos. Agora é mão na massa.
P.S. Uber e 99 viraram baderna em Niterói. Molambaram de vez. Carros caindo aos pedaços, sujos, ar condicionado desligado (mesmo com a liberação da prefeitura), tempo de espera infinito. Taxistas e empresários de ônibus comemoram a derrocada do serviço que estava nos livrando da imobilidade. E pensar que já houve balas, água mineral, carrões e simpatia.
P.S. 2 Impunidade ampla, geral e irrestrita. A maioria das motocicletas (podem ver) circula sem placas, sem silenciosos (o barulho é infernal), muitas sem faróis e, claro, sem documentos. Andar em calçadas e na contramão é café pequeno. A indiferença do poder público escancara a cidade para o banditismo. Quando a polícia deita na rede e pede água de côco, a bandidagem sai da sombra e parte para o ataque.