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O biólogo Mário Moscatelli não cansa de lutar pelo meio ambiente. Conhecido como ativista ambiental, Mário não tem medo de se expor, põe o dedo na ferida e diz que não vai se calar nessa árdua tarefa de defender o ecossistema.
Não estou aqui para ser cúmplice de crime ambiental e tão pouco fazer vista grossa, disse o ativista questionado se continuaria a fazer denúncias, mesmo condenado a pagar mais de R$ 70 mil para um empreendimento comercial.
A TRIBUNA (AT) - Você perdeu na Justiça uma ação de um shopping por ter exercido a sua cidadania (denunciar esgoto sendo despejado na Lagoa da Barra). Acha um precedente perigoso a Justiça crucificar um ambientalista que disse a verdade?
Mário Moscatelli - Inicialmente destaco que não denunciei nada. Simplesmente, após matéria de telejornal em canal de TV de sinal aberto onde o delegado do setor de meio ambiente afirmou que o tal shopping era o responsável pelo vazamento, fiz uma postagem em mídia social baseada na matéria da TV. Uma postagem exigindo e cobrando do shopping responsabilidade em relação ao vazamento, reitero, atribuído publicamente pelo agente público. Infelizmente essa clara lógica dos fatos foi distorcida e uma versão fantasiosa foi a que predominou na análise dos magistrados. Me foram atribuídas a produção das tais fake news, instrumento que nunca usei em tempo algum. Destaco que não é precedente, já é coisa normal de quem se propõem a exercer a cidadania e principalmente defender os recursos naturais nesse país. Precedente talvez seja quando um dia, quem sabe quando, um delinquente ambiental vip for processado e preso. Aí sim será um precedente em termos nacionais. Que fique bem claro que apenas cobrei baseado na fala de um agente público numa emissora de TV de sinal aberto. Apenas isso me deu uma dor de cabeça de três anos!
AT Isso desestimula os novos ambientalistas?
Mário Moscatelli - Do meu ponto de vista, é claro que sim. É o famoso manda quem pode, obedece quem tem juízo ou você sabe com quem você está falando? Vivemos num país atrasadíssimo em termos de práticas ambientais sustentáveis de fato. Existe muito marketing, muito dinheiro investido em imagem, frases de efeito, mas quando você analisa as práticas diárias, boa parte do marketing é puro marketing e só. Após 35 anos de lutas permanentes pelo ambiente já vi e sofri de tudo. De 1989/1991 fui ameaçado de morte, tive de fugir do Brasil e acabei sendo praticamente expulso de Angra dos Reis por cumprir a legislação ambiental. Os delinquentes, que atuavam naquela época, dentro e fora do poder público, continuaram livres, leves e soltos enquanto eu vivia escondido por cumprir a lei. O Brasil continua assim, infelizmente, onde contrariar interesses econômicos e políticos, exigindo o cumprimento das leis ambientais é quase uma sentença de morte ou de sérios problemas pessoais.
AT Se for novamente constatado que o shopping que denunciou continua jogando esgoto na lagoa, o senhor volta a denunciar?
Mário Moscatelli - Independente de quem seja, será denunciado, eu não tenho compromisso com delinquentes ambientais. Destaco que não denunciei nada no que diz respeito ao ocorrido há três anos, pois não tinha e não tenho como saber de onde vinha o esgoto que jorrava na Lagoa da Tijuca. Eu apenas cobrei após a divulgação da matéria da TV. Aí é que está a questão central que parece ter passado desapercebida por quem me julgou culpado de algo que não fiz. Mas se eu tiver de alguma forma técnica como afirmar quem está degradando, não tenha dúvida que exercerei meu direito de cidadão. Não estou aqui para ser cúmplice de crime ambiental e tão pouco fazer vista grossa. Questão de formação pessoal.
AT A extrema direita aponta o dedo para a Europa dizendo que o continente desmatou tudo há centenas de anos, como se fosse uma justificativa tosca para o que acontece por aqui. Você acha que a Europa replantou tudo por culpa ou por consciência ambiental?
Mário Moscatelli - Essa polêmica nem merece atenção de tão tosca que é. Quer dizer que porque os norte-americanos mataram os índios de lá, nós temos o direito de exterminar os nossos? Francamente, é a mesma coisa que ficar discutindo sobre se a Terra é plana. Primeiro o conhecimento sobre os ecossistemas, biomas e sistemas de homeostase planetários são outros que há 100, 200, 500 e 1000 anos atrás. Naquela época era usar até acabar pois a ideia era que os recursos naturais eram infinitos e aqui estavam para ser usados. Felizmente, ao menos no campo científico, o conhecimento evoluiu e hoje sabemos que se continuarmos do jeito que gerenciamos os recursos naturais, simplesmente a conta não fecha. Isto é, tiramos mais do que o planeta tem a repor ou sustentar. Portanto é necessário encontrar um meio termo entre o consumo e a gestão sustentável dos recursos naturais. Há de se destacar que nessa concepção, é claro que há muito oportunismo e protecionismo de parte a parte dos países, pois nessa história não há mocinhos, mas principalmente interesses econômicos. Em resumo não há como continuar gerindo os recursos naturais mega diversos de nosso país como se fôssemos uma colônia de exploração pois a conta já está chegando. Basta ver o que anda acontecendo no Brasil e no resto do mundo em termos de catástrofes sócio ambientais que tem tudo para piorar muito mais.
AT Você dedica a vida aos manguezais, especialmente na Baía de Guanabara. Nma foto sua, icônica, você aparece sentado em um sofá boiando na Baía de Guanabara. A pessoa que jogou esse sofá como lixo vai entender campanhas educativas ou só vai respeitar o ambiente diante da multa?
Mário Moscatelli - Sem educação de qualidade não vamos sair dessa pocilga política que vivemos chafurdados e consequentemente continuaremos sem políticas de habitação, saúde, segurança e etc. Quem vai continuar pagando o preço será o ambiente e a qualidade de vida sociedade. Simples assim. Perspectivas? No momento as piores possíveis.
AT Sabemos que a sociedade brasileira cresceu num ambiente de extremo egoísmo. Dificilmente vemos grandes figuras dedicarem tempo e dinheiro por exemplo, para a proteção ambiental. Acha que a ruína do verde no Brasil passa por esse egoísmo?
Mário Moscatelli - Passa pela cultura que originou esse lugar, isto é, a cultura do pau-brasil, do usar até acabar. Continuamos pensando e interagindo com os recursos naturais como os predadores/exploradora europeus do século XVI. A diferença é que hoje temos uma maior, gigantesca, capacidade de destruir degradar o ambiente. Sem educação de qualidade o futuro continuará sombrio.
AT Quantos anos acha que restam para a Baía de Guanabara?
Mário Moscatelli - Hoje tenho uma perspectiva mais positiva em relação ao saneamento a partir da entrada das novas empresas privadas no setor. Acredito que teremos em termos de saneamento, claras melhorias no intervalo de 5, 10 anos. Minha preocupação é com a ordenação do uso do solo e política de habitação, prerrogativa do poder público, quase sempre esquecida pelo mesmo. Aí é que está o nó. A pergunta não é quantos anos restam para a Baía, pois ela, de uma forma ou de outra prosseguirá. A pergunta é quantos anos restam para a civilização como a conhecemos?
AT De positivo, o que te dá esperança ao panorama ambiental brasileiro?
Mário Moscatelli - Particularmente tenho o resultado da Lagoa Rodrigo de Freitas que em 33 anos de trabalhos contínuos, consegui obter a estabilidade daquele ecossistema bem como o incruento de sua biodiversidade e incremento econômico da região. A Lagoa é um exemplo que ecossistemas degradados podem ser recuperados o que serve de rumo para a recuperação da Baía de Guanabara / Sepetiba e sistema lagunar de Jacarepaguá. Agora em termos nacionais, as próximas eleições dirão se vamos ou não rumar para o juízo final ambiental.