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Ex-diretor da Faculdade de Direito, Wilson Madeira Filho concorre pela Chapa 2, que tem o professor de Medicina Wladimir Tadeu Baptista Soares como candidato a vice-reitor. A chapa se define como a única verdadeiramente de oposição, já que, na análise de Madeira e Tadeu, os demais concorrentes Roberto Salles e Antonio Claudio da Nóbrega já foram aliados. Para os candidatos da Chapa 2, a eleição de qualquer um dos concorrentes fomentaria uma espécie de política do café com leite na UFF, em referência ao período entre 1898 e 1930, quando mineiros e paulistas e revezavam na Presidência da República.
Madeira é categórico ao afirmar que caso assuma o cargo de reitor da UFF, vai rescindir o contrato com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), fundada em 2011 e que gere o Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) desde 2016. O professor afirma que, embora a empresa seja pública, possui perfil de empresa privada e atende a um projeto neoliberal de sucateamento da saúde pública.
"É importante destacar que a Chapa 2 é a única que vai romper o contrato. A Reitoria da UFF, nos últimos 16 anos, apostou num projeto neoliberal. Esse projeto, ao ver os cortes orçamentários, entregou uma parte expressiva da própria universidade para a iniciativa privada. Apesar da Ebserh ser pública, ela tem um perfil privado", disse.
Wladimir Tadeu, que atua na instituição há 38 anos, afirmou que a lei que instituiu a Ebserh jamais obrigara a UFF a entregar a gestão do hospital à empresa. Além disso, ele pontuou que, ainda em 2011, a Conferência Nacional de Saúde recomendou que hospitais não aderissem à medida. Por fim, o professor de medicina alegou que foram realizadas várias audiências públicas para debater o tema, mas que o reitor à época da criação da Ebserh, Roberto Salles (2007-2014) e seu sucessor, Sidney Mello (2015-2018), assim como o diretor do HUAP, Tarcísio Rivello, jamais compareceram.
"A lei da Ebserh é de 2011. Quem estava na gestão da reitoria era o Roberto Salles. Assim que ele entrou, em 2006, nomeou Tarcísio Rivello para ser diretor do HUAP. Junto com a lei da Ebserh saiu o regimento interno e o estatuto da empresa. Para que a universidade fizesse o contrato, deveria passar antes por processo de adesão. Começaram a entrar funcionários que a gente não conhecia, entravam sem bater e faziam perguntas", afirmou.
Na sequência, Wladimir Tadeu lamentou que o HUAP tenha passado por drástica redução dos leitos e esteja com sua emergência fechada. Segundo o professor, nem mesmo servidores e alunos podem contar com atendimento de urgência da UFF no local. Ele também destacou que isto prejudica o aprendizado de estudantes de medicina e residentes, que não conseguem aplicar na prática as teorias que aprendem. Ainda segundo Tadeu, residentes são submetidos apenas a uma prova teórica aplicada pela Ebserh para poderem atuar na unidade.
"Ela funciona explorando a atividade econômica. Isso é tratar a saúde como mercadoria. A emergência do HUAP estava, no final da década de 1980, entre as cinco melhores da América Latina. Os alunos de outras faculdades faziam estágio na emergência do Antônio Pedro. O HUAP tinha 420 leitos ativos. Assim que a Ebserh entrou, em 6 de abril de 2016, foram diminuídos 60 leitos. Seis anos depois temos 112 leitos ativos e uma emergência fechada", continuou.
O professor de medicina apontou que, para que a UFF reassuma a gestão do HUAP e a emergência seja reaberta, o processo não é simples. Após a comunicação da rescisão, a Ebserh ainda teria um ano para administrar a unidade, cumprindo uma espécie de aviso prévio. Além disso, é preciso que haja concurso para as 344 vagas em aberto, de profissionais que morreram ou se aposentaram. No que diz respeito a recursos, eles seriam obtidos junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) e convênios com governos municipais.
" Vamos rescindir o contrato com base no artigo 16 da lei da Ebserh, que diz que, a partir da assinatura do contrato entre a universidade e a empresa, no prazo de um ano, a Ebserh se compromete a desativar todos os leitos inativos e contratar todo o pessoal necessário para fazer o hospital funcionar plenamente. Isto não aconteceu. O hospital se tornou excludente. O Antonio Claudio e o Roberto Salles abraçaram o projeto neoliberal", explicou.
Uma controvérsia recente nos corredores da UFF é sobre o ponto biométrico, implantado em 2019. Segundo funcionários, o sistema está fazendo com que sejam trabalhadas mais do que as 30 horas semanais reivindicadas pela categoria. Segundo Madeira, o problema começou no HUAP quando Tarcísio Rivello denunciou ao Ministério Público Federal (MPF), que funcionários técnicos administrativos não estariam trabalhando.
Foi aberta uma Ação Civil Pública (ACP) contra a UFF e a Justiça sentenciou que fosse adotado o ponto eletrônico, não necessariamente biométrico. De acordo com Madeira, na campanha de 2018 Antônio Cláudio teria prometido que as 30 horas semanais seriam respeitadas e não adotaria a biometria, mas, em seu primeiro ano de mandato, implantou os equipamentos.
"Nossa intenção é voltar às 30 horas e peitar isso politica e judicialmente. O plano B é, enquanto não temos uma decisão consolidada que nos garanta as 30 horas, o mínimo seriam 30 horas semanais e 10 em home office. Na Europa foram feitos vários trabalhos mostrando que a redução da jornada não reduz a eficiência, o servidor fica mais feliz, portanto não há nenhuma razão para ele ficar preso ao local de trabalho", dissertou.
Madeira criticou que o Ministério da Educação (MEC) priorize universidades particulares nos investimentos sobre o ensino à distância (EAD). Para o candidato a reitor, muitas instituições reaproveitam aulas gravadas por anos em vez de colocarem um professor em tempo real. Contudo, ele acredita que a ferramenta possa ser útil para levar educação a lugares mais que não contem com o ensino presencial.
O MEC anunciou pacote de R$ 540 milhões, mas a verba vai para as universidades privadas criarem cursos à distância. A gente tem que avançar de maneira responsável. O Brasil é grande e tem locais que não têm cursos. Óbvio que fica mais barato fazer de forma remota, mas garantindo a qualidade.
O candidato defende a implantação de uma turma de Direito com 100% de cotas para quilombolas de no Campus Avançado de Oriximiná, o que deve acontecer ano que vem. Em Niterói, a Faculdade de Direito chegou a ter turmas com 50% de cotistas. Sobre os campi em outras cidades, Madeira frisou a necessidade de se fortalecer as estruturas.
A UFF tem essa vocação de ser uma universidade fluminense. Houve o projeto Reune que foi direcionado a fortalecer Volta Redonda, Macaé, Campos, Santo Antônio de Pádua. Cursos isolados em Nova Friburgo, Petrópolis, Angra dos Reis e Oriximiná, no Pará. A gente tem que garantir, com toda a qualidade, que eles não são uma UFF do interior, mas sim uma UFF plena, com biblioteca, bandejão. Esses campi se sentem abandonados. Em Campos e Angra não vai ninguém da reitoria há dois anos, destacou.
O candidato cobrou cobrança de maior transparência no que diz respeito ás rubricas orçamentárias. Segundo o ex-diretor da Faculdade de Direito, nenhum dos 44 diretores de orçamento tem acesso, sendo permitida a consulta apenas aos relatórios de gestão. Ele também detalhou como é aplicado o atual orçamento da UFF.
O orçamento da UFF é grande, são R$ 1,4 bilhão [anual], mas se a gente considerar mais de 90% que vão para salários, na prática, a verba para distribuição acaba sendo mitigada na casa de R$ 70 milhões, se a gente considerar as dívidas. Fui do Banco do Brasil por 19 anos e sei lidar com orçamento. A UFF, ao meu ver, não tem plano orçamentário, sequer relatório orçamentário, apenas relatórios de gestão, disse.
Entretanto, Madeira admitiu não saber de quanto precisará para colocar seu plano de gestão em prática. Isto porque, de acordo com ele, falta um plano diretor. Para o candidato, a universidade se equipara a um arquipélago, no qual cada faculdade, que seriam como se fossem ilhas, expõem suas reivindicações de maneira independente.
A gente está diante de uma comunidade que está reivindicando moradia estudantil, melhoria do Bandejão, o BusUff... é difícil saber o quanto é necessário. Já tive a oportunidade de fazer grandes coordenações, planos diretores de diversos municípios. Quando você faz um plano diretor, tem que pegar todos os projetos, fazer as oficinas locais, e entender o que cada lugar precisa, desde questões estruturais às minudências. Você faz a política orçamentária a partir daí. A UFF nunca fez isso. A UFF é um arquipélago, cada ilha cuida de si, prosseguiu.
Em seu plano de gestão, Madeira afirma que sua gestão não cederá a pressões políticas, independente de quem as fizer. Contudo, ele faz questão de expor o apoio de políticos de partidos como o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Questionado se isso pode afetar sua isenção, ele é categórico ao responder que não.
Isso faz parte do jogo democrático. Toda oposição que pleiteia cargo entende que precisa assumir as responsabilidades da gestão. Sou parceiro de pessoas como o Marcelo Freixo e o Alessandro Molon. Eles chegando ao poder, acho que esse campo de dialogo só tende a ampliar. Pelo menos a gente vai sentar com alguém que entende a nossa reivindicação. Isso [pressões advindas desses políticos] não vai acontecer, ninguém chegou para a nossa campanha e pediu nada porque já conhecem a gente, frisou.
Nos últimos meses, a segurança pública dentro e fora dos campi, principalmente o do Gragoatá, tem sido alvo de questionamentos. O candidato pregou que haja bom relacionamento com o 12º BPM (Niterói). O professor também pontua que um sistema de iluminação eficiente é fundamental. Madeira contou sobre uma experiência que teve quando era diretor da Faculdade de Direito, na qual usou do futebol para criar vínculo entre a instituição e a comunidade do Morro do Palácio.
A primeira providência foi subir o morro para fazer reunião com a associação, propondo integração. O campeonato de futebol passou para a quadra do Direito. Depois sediamos o campeonato de favelas de Niterói e fizemos a final no Clube Espanhol. As facções estavam lá. Pedimos para ninguém entrar armado, os caras se respeitaram. Todo mundo respeitou. Não adianta entrar querendo dar curso de cidadania que parece conversa de branco turista. O Palácio não vai invadir, explicou.
Um dos desafios do próximo reitor será fazer com que a universidade saia de sua bolha e tenha relevância para a sociedade. Caso eleito, Madeira afirmou que sua prioridade será buscar novos alunos da UFF na periferia.
Estamos entre os professores com maior grau de ação extensionista da universidade. Tenho trabalhos na cidade há muitos anos. Existe o Ciclo de Conferências da Cidade a cada três anos. Niterói já teve sete. Fui convidado a ser o coordenador de todos. Conheço todos os ex-prefeitos. Quando a gente fala que vai buscar nas periferias o futuro aluno da UFF é porque a gente tem uma radiografia de Niterói e quer que a universidade pública atinja o público, disse.
A UFF e uma empreiteira disputam há várias décadas a área do Morro do Gragoatá. O candidato da Chapa 2 teme que a atual gestão da reitoria abra mão de brigar pelo espaço e o entregue, sem contrapartidas, a iniciativa privada.
Se é uma área de interesse ambiental, não pode ter outra finalidade se não aquela ambientalmente prevista. Além disso, o que bloqueou, foi o direito urbanístico alegando que, em razão da altura e da passagem de aviões, não poderia ter edificação e o uso que se pretendia pelas imobiliárias. Duas vedações. A gente tem uma terceira questão que é a universidade pleiteando o trabalho de um horto, feito há muitos anos. Isso amplia a perspectiva de interesse da UFF e do Município para manutenção daquele local, analisou.
Ainda sobre o tema, ele afirma que o Conselho Universitário não foi consultado sobre um acordo no qual a universidade abriria mão do terreno, que possui cerca de 60 mil metros quadrados, para não pagar uma possível indenização à empresa que diz ser proprietária do local.
A alegação é a mesma do HUAP: vamos nos livrar da despesa. Se livra da despesa acabando com o hospital? Se livra da despesa entregando a área? Se já está na posse da UFF há tantos anos, onde é que está a prova de que esse terreno pertence à iniciativa privada? É uma coisa que beira o absurdo. Entregar para a UFF se livrar da dívida. Não vou me espantar se já tiver um prédio lá se instalando. Eu não confio na reitoria atual e considero que ela é capaz de entregar esse patrimônio sim, completou.
O candidato afirmou que a Chapa 2 surgiu de uma corrente do Conselho Universitário, chamada Movimento UFF Democrática (Mude). Ele também explicou como funciona a composição desse conselho, que tem o poder de vetar ou referendar as decisões do reitor. A relação é similar entre a do presidente da República com o Congresso Nacional.
São cerca de 100 conselheiros, que são 71 professores, 18 estudantes, seis funcionários, seis membros e todos os antigos reitores da comunidade com mandato de dois anos. Desses, tem alguns com mandatos diferenciados, que são os professores-diretores. O conselho é soberano em relação ao reitor. A Chapa 2 surgiu desse debate. Se criou o Movimento UFF Democrática. Hoje a gente é um terço do Conselho Universitário e se escolheu meu nome e do Wladimir, explicou.
Um dos raros pontos de concordância entre Wilson Madeira Filho e m relação a seus concorrentes foi sobre a gestão da UFF em meio á pandemia do novo coronavírus. Embora avalie de forma positiva a gestão da atual reitoria sobre a crise, o professor candidato da Chapa 2 criticou a demora em algumas decisões, como a adesão ao ensino híbrido.
O MUDE, no Conselho Universitário, conseguiu a exigência da caderneta de vacinação. Não se pode negar que as três chapas, nesse sentido, tiveram todos os cuidados. Independente de diferenças profundas que a gente tenha politicamente, não vou dizer que nenhum dos candidatos é maluco porque não são. Eles vestem a camisa da UFF e, durante da pandemia, tiveram essa preocupação", avaliou.
Outro ponto presente no plano de gestão de Madeira é a convocação de uma nova Assembleia Estatuinte. Por conta da complexidade do procedimento, ele acredita que isto só seria possível no final de 2023, no primeiro ano do próximo quadriênio. A principal mudança no estatuto proposta por Madeira é a equiparação entre professores e demais funcionários na condição de servidores.
Fui nomeado presidente da comissão de Regulamento Geral de Concursos Eleitorais. A gente iniciou o trabalho, mas o Antonio Claudio nomeou em novembro e queria que a gente apresentasse o trabalho em 30 dias. Só que era início de semestre, para fazer um trabalho parado há 30 anos. Sugeri que o prazo fosse prorrogado para após as eleições. Esse é um trabalho não só de levantar todas as normas da UFF como, uma vez feito, a gente tem que apresentar em oficinas para vislumbrar o entendimento da própria universidade para, em fim trazer um produto que seja objeto de uma audiência pública final para sua aprovação.
FOTO: Wilson Madeira Filho concedeu entrevista ao jornal A Tribuna - Vitor D'Ávila