Marcelo Macedo Soares -
Descaso, desrespeito e falta de educação. Estas são apenas algumas das dificuldades enfrentadas por quem opta pela bicicleta para se locomover por Niterói. O trágico acidente que matou o pequeno Pedro, de apenas 5 anos, na tarde de quarta-feira (05) reacendeu o que seria uma longa discussão que já dura anos. Seria, pois a omissão das autoridades deixa a clara sensação de que quem pedala está falando sozinho, pois nada é feito para melhorar. Pior: algumas ações ou falta delas podem oferecer ainda mais perigo aos ciclistas. Mas engana-se quem pensa que apenas os veículos não respeitam as regras. As irregularidades muitas vezes são cometidas ou incentivadas justamente por quem deveria fiscalizar.
Segundo o Código Brasileiro de Trânsito (CBT), em seu artigo 29, parágrafo 2º, respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres. Mas o que se vê na prática é justamente o inverso, onde os maiores se valem de sua condição superior para oprimir os menores. Em uma volta pela malha cicloviária de Niterói, não é difícil flagrar inúmeras irregularidades.
A maior delas, com certeza, é o desrespeito às demarcações existentes nas ruas de Niterói. Na Avenida Marquês do Paraná, por exemplo, os cones colocados por agentes da NitTrans, que deveriam determinar a área destinada aos ciclistas, ficam rente à calçada, conforme A TRIBUNA já havia noticiado, porém longe de respeitar o 1,5 metro que determina o CBT. Não é raro ver cones caídos ao longo do trajeto e muitos ônibus tirando fino - como se diz na gíria dos ciclistas.
Estabelecimentos comerciais, sobretudo postos de gasolina com GNV, onde grandes filas se formam, também parecem não se importar com os ciclistas. Na esquina das ruas Tiradentes e Visconde de Morais, no Ingá, não é preciso esperar muito para ver carros se aglomerando em cima da ciclofaixa esperando para abastecer. O supervisor do posto, que não quis se identificar, disse que a Prefeitura já foi algumas vezes ao local, mas que ele nada pode fazer.
O posto não sai do lugar e não posso pegar um guincho e tirar os carros da faixa de bicicletas. A Prefeitura já esteve aqui sim, mas não lembro o que eles falaram, desconversou.
Convite ao desastre
Os abusos se espalham por praticamente todos os bairros da cidade. Mas e quando as regras são descumpridas por quem deveria fiscalizar? Um bom exemplo é a orla de São Francisco. Lá existe uma ciclofaixa de cada lado do canteiro que divide a Avenida Quintino Bocaiúva. Mas para desfrutar de uma das vistas mais bonitas da cidade sob duas rodas, é preciso acordar cedo, mais precisamente às 5h, e mesmo assim com direito a pedalar apenas até as 10h. A partir desse horário a ciclofaixa por onde deveriam passar bicicletas dá lugar a carros de passeio, parados, já que o trecho é explorado pela empresa que opera o estacionamento rotativo na cidade.
Segundo o empresário e atleta Cláudio Santos, que pedala há mais de 45 anos e é membro da Confederação Brasileira de Ciclismo, o que acontece em São Francisco é um verdadeiro absurdo. Um convite ao desastre, segundo ele.
Aquilo é um absurdo total em todos os sentidos. Primeiro por questões de segurança, já que os ciclistas são obrigados a trafegar pela rua. Segundo por uma questão técnica, já que o Código Brasileiro de Trânsito determina que as ciclofaixas sejam do lado direito da rua, ao contrário do que acontece ali, afirma Cláudio, que também é ex-presidente da Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro.
Com ruas estreitas, muitas delas com estacionamento permitido dos dois lados da via, a circulação de ônibus se torna um risco para quem pedala. Além disso, a falta de planejamento faz com que os coletivos descumpram a lei que obriga os veículos a trafegarem a pelo menos 1,5 metro dos ciclistas. Rever o itinerário dos ônibus parece ser uma alternativa fora de questão, mas medidas simples poderiam ser adotadas para amenizar o problema. Em cidades da Europa, por exemplo, existe a chamada Zona 30, onde veículos, entre eles os ônibus, são obrigados a trafegar a no máximo 30km/h. Mas não é preciso atravessar o Atlântico para ver a alternativa em prática. Em Copacabana, na Zona Sul do Rio, a Zona 30 foi adotada e deu certo.
É muito comum em cidades da Europa, principalmente as mais antigas, com ruas bem estreitas, a utilização da Zona 30, onde os motoristas não podem passar de 30 km/h. Claro que tem a questão cultural também, mas precisamos copiar o que é bom e o brasileiro precisa aprender a respeitar os ciclistas. O corre-corre do dia a dia não pode ser desculpa. Uma vida vale muito mais do que qualquer tempo perdido, argumenta Claudio, acrescentando que os ciclistas também não podem se isentar de suas responsabilidades e também devem cumprir as regras.
Outros casos
Infelizmente, os acidentes envolvendo ciclistas não são uma novidade em Niterói. No dia 9 de novembro de 2008, o professor de história João Batista Andrade, de 62 anos, morreu depois de ser atropelado quando andava de bicicleta pela Avenida Roberto Silveira, em Icaraí, na Zona Sul. Na época, a família reclamou da falta de segurança para quem trafega de bicicleta pela cidade.
Em março deste ano, a advogada Paola Fernandes Barrozo foi atropelada por um ônibus da Viação Ingá na Avenida Marquês de Paraná. Apesar do grande susto, Paola não se feriu gravemente, mas sua bicicleta ficou destruída. Ela criticou duramente a falta de respeito com os ciclistas da cidade.
Ele (motorista) buzinou e insistiu, não tive opção e mesmo assim me atropelou. Em nenhum momento não quis saber se eu estava viva ou morta. Espero que a pena seja bem severa para que sirva de exemplo, afirmou à época.
A Prefeitura de Niterói foi procurada para falar sobre o tema e responder questionamentos como itinerários dos ônibus, ações educacionais, fiscalização, o uso da ciclofaixa como estacionamento em São Francisco, entre outras dúvidas dos ciclistas, mas não respondeu.