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“Eu vejo o Brasil me olhando no espelho”, diz Lobão
Em entrevista exclusiva para A Tribuna, o cantor relembra sua trajetória e faz convite para show no próximo sábado
“Eu vejo o Brasil me olhando no espelho”, diz Lobão
Foto do autor João Eduardo Dutra João Eduardo Dutra
Por: João Eduardo Dutra Data da Publicação: 05 de maio de 2024FacebookTwitterInstagram
Foto: Clóvis Roman

É todo dia que se faz 50 anos de carreira? Pois Lobão, um dos totens da música nacional define isso como “bonito, irônico e satisfatório”.

O roqueiro do ‘big-bang’ do rock nacional festeja o seu jubileu de ouro, retornando após quase uma década ao Circo Voador, sua ‘segunda casa’, no próximo sábado (11), com o show ‘50 Anos de Vida Bandida’.

João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão Iniciou sua carreira tocando em bandas de artistas como Luiz Melodia, Walter Franco e Marina Lima, e compondo canções eternizadas nas vozes de Cazuza e João Gilberto.

Para A Tribuna, Lobão dá uma entrevista sem filtros e repleto de jovialidade falando sobre seu meio século de carreira e seu reencontro com o Circo Voador. 

Tranquilo, vivendo em uma casa cheia de árvores, plantas e gatos em São Paulo, o Grande Lobo está cada vez mais contemplativo em relação à vida, em relação ao Brasil.

“Eu vejo o Brasil me olhando no espelho. Eu olho para mim e penso ‘como você é lindo, meu amigo. Você está envelhecendo muito bem’. 

"Eu posso até parafrasear uma música do Caetano Veloso ‘se o mundo é um lixo, eu não sou’. 

"Então eu não tenho nada mais a esperar, nem do mundo, nem do universo, nem do Brasil, a não ser a minha própria melhoria pessoal. A única coisa que eu posso doar para o mundo de verdade é a minha melhoria como pessoa, como artista. A minha maior riqueza é o meu patrimônio musical. Se eu existo no Brasil, alguma coisa legal deve ter”, afirmou cantor.

Foto: Edu Firmo

Sua relação com Niterói e a rádio Fluminense FM?

Isso foi interessante porque, na verdade, quando eu comecei a divulgação do disco, a produtora queria me levar para a Tupi porque lá tinha mais de dois milhões de ouvintes. 

Mas eu falei que tinha uma rádio começando lá em Niterói, que tem cinco ou 10 mil ouvintes, mas desses aí, 900 vão comprar o disco e dois mil vão ao show. Desses dois milhões da Tupi, ninguém vai comprar meu disco ou ir no show. 

Aí a gente partiu para a Fluminense FM. 

Se não houvesse a Fluminense ou o Circo Voador, não existiria rock no Brasil. Todas as bandas, não só eu, mas o Legião, Paralamas, Titãs, Barão, todas começaram a tocar na íntegra as músicas na Fluminense FM. Foi aí que se formou um nicho de todos os ouvintes que fizeram o rock brasileiro ser uma potência.

Há quanto tempo que você não se apresentava no Circo Voador?

Vai fazer quase dez anos, então a expectativa é enorme. Eu sou sócio fundador do Circo. A Maria Juçá é minha irmã, praticamente. 

Além de ser sócia fundadora do circo, ela foi responsável pelo meu primeiro show na minha vida. 

Ela é minha fada madrinha desde o início de carreira. Então voltar para o circo é muito importante porque é reaver um espaço que é meu. Eu estou com saudade do Circo.

Por que você acha que tem essa paixão de várias gerações diferentes que não viveram a década de 80 pela música da década de 80? 

A qualidade dela. Simples assim. O rock dos anos 80 ultrapassou a pecha de ser uma música pop. Sempre colocaram Rock à margem da cultura brasileira. 

O fenômeno que ocorreu nos anos 80 foram os grandes compositores do Brasil como Cazuza, Renato Russo, Herbert Vianna e muitos outros que escreveram grandes canções. 

E o que aconteceu, por ironia do destino, é que essas músicas foram elevadas à Música Popular Brasileira e são parte integrante do nosso cancioneiro. E a cada ano que passa, mais importante elas vão ficando.

Como você enxerga o rock nacional atualmente?

Mais forte do que nunca. Porque a gente teve essa pressão desde o primeiro ano do rock nacional. 

A imprensa ‘urubuzando’, dizendo que é último verão do rock, agora vai acabar, fizeram tudo para acabar, passaram décadas tentando enterrar o rock vivo, mas não se enterra nada vivo. Estamos aqui mais vivos do que nunca e tudo isso virou anticorpo.

Como sua mudança do Rio para São Paulo impactou na sua carreira?

Em São Paulo eu pude desenvolver minha parte de produção musical, aprender mais tecnicamente sobre como tirar um som de um estúdio, produzir meus discos tocando todos os instrumentos. 

Foi um salto quântico na qualidade técnica. Eu pude aprender a cantar melhor, tocar melhor.

Nesses 50 anos de carreira você tem alguns pontos mais marcantes para destacar?

A minha vida é feita de muitos acidentes interessantes. Desde a fundação do Circo Voador, da rádio Fluminense, de ser pioneiro nisso tudo numa época em que o rock era completamente duvidoso. 

Todos duvidavam que o rock poderia ter algum tipo de papel de preponderância. Não só eu, mas gente como o Lulu Santos, Blitz e muitos outros que investiram no rock na década de 80, quando ninguém pensava que o rock pudesse ser o que acabou acontecendo. 

Eu tenho muito orgulho de ser um dos ‘Founding Fathers’ (pais fundadores) do rock dos anos 80. Deixando bem claro que o rock brasileiro começou com Cauby Peixoto, em 54. O rock dos anos 60 com Raul Seixas, Mutantes, Secos e Molhados, todos esses merecem nosso respeito.

Mas o rock dos anos 80 foi o big-bang e eu tenho orgulho de ser parte integrante disso. 

Gravar os discos mais emblemáticos como o da Blitz, do Lulu, o disco todo do Ritchie. Tudo isso faz uma conjugação muito cósmica na minha carreira, tipo o anel do ‘Shazam’.

Foto: Edu Firmo

Como você vê a principal diferença do Lobão da década de 80 para o Lobão de hoje, com 50 anos de estrada?

Eu entrei revoltadíssimo. Eu era um baterista convicto, então para mim foi uma condenação ter saído da Blitz. 

Eu queria continuar inventando qualquer banda pra continuar sendo baterista e compositor. 

Ao contrário do que muita gente pode imaginar, para mim ser um cara que está na frente, cantando, não era o que eu queria. 

Primeiro que eu nunca soube tocar guitarra, muito menos cantar, então eu passei a década inteira sofrendo muito.

Eu só comecei a pensar em cantar ou afinar a guitarra direito a partir dos anos 2000. 

Então eu passei os anos 80 inteiro sofrendo, além de ter sido uma década de muita perseguição política, fui preso diversas vezes, me considerarem um mal social, que causava um transtorno muito grande na minha vida, a tal ponto que eu tive que fugir e ser considerado uma espécie de marginal. 

Apesar de eu ter me divertido muito naquela época, foi um período muito agoniante, muito fora de lugar. Eu me sentia náufrago de mim mesmo nos anos 80.

Hoje eu estou estabelecido na minha posição. Eu sei o que eu faço. Adquiri um estilo próprio. 

Hoje eu sou um cara muito satisfeito com o que eu faço, muito feliz onde eu estou.

Sua franqueza custou um preço alto? Valeu a pena pagar?

Nada me destitui da maneira que eu sou. Seria uma miséria para mim eu me render a qualquer outro tipo de coisa que não seja eu mesmo. Nada seria melhor do que eu persistir em ser eu mesmo. 

Em nada vai melhorar a minha vida eu não ser eu. Meu grande trunfo sempre foi encarar tudo com naturalidade Tem aquele refrão de uma música minha ‘Eu sou nada e é isso que me convém, eu sou o sub-do-mundo e o que será que me detém?’, nada vai me deter. 

Nada pode deter uma pessoa que tem a sua força própria.

Uma mensagem para quem vai assistir seu show, para quem vai ler essa entrevista e que você espera que a pessoa tire da sua comemoração de 50 anos.

Não é todo mundo, nem é toda hora que se faz 50 anos de carreira. Para uma pessoa como eu, que morreu tantas vezes, que foi sentenciado à morte tantas vezes, é bonito, irônico, e muito satisfatório o fato de eu estar aqui 50 anos depois, mais forte do que nunca, em um show que será um dos mais emocionantes da minha carreira, em uma volta bastante emblemático ao Circo Voador, que é a minha casa. 

Quem for vai assistir o show que vai ficar na história, porque ele vai ser o anel de Shazam. 

Quando chegar no Circo Voador e o Circo Voador chegar a mim, uma coisa muito poderosa vai se juntar uma com a outra. Vai existir uma energia muito grande, muito especial.

Com: Pedro Menezes

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